02 março 2015

Intransigente

Insuportável. Difícil de aguentar. Intolerável. Tantos sinônimos para o que eu tenho ouvido ultimamente. Decidi me resguardar ao máximo ao que seres não suportáveis podem fazer, me isolar dentro do meu próprio grupo, ficar dentro da minha própria caverna, até que essa etapa passe e eu possa voltar a viver novamente sozinho e ter minha rotina de volta. Estou em prisão domiciliar dentro do domiciliar. E eu os compreendo, também é insuportável viver em mim.

"Quer ouvir seu diagnóstico?" Pergunta meu antigo novo psiquiatra.

"Sim" Respondo.

"O Principal é Transtorno de Personalidade Limítrofe ou Boderline"

Grande novidade, pensei. E analiso a mesma sala ridícula enquanto ele me fala que eu deveria ser internada devido ao vício em remédios. Mas não serei. Pessoas com o que eu tenho raramente vão para a faculdade, ou terminam uma, ele sabe que não pode interromper isso. Ele sabe que preciso continuar a seguir a fingir ter uma vida normal enquanto crises vem e vão ate que uma me atingirá por completo e ele intervirá ou não haverá mais tempo. Porque é assim que vivemos. Limites são linhas invisíveis. 

Estou me sentindo tão anulada e esquecida agora que não consigo achar palavras mais inteligentes para explicar tamanha dor. Eu vejo o mundo, mas o mundo não me vê. Eu sinto tudo, mas ninguém me sente. Eu me importo, mas ninguém se importa. E aquela vontade louca que vem por dentro, dilacerando meu discernimento está voltando e desisto de escrever sobre isso.

Compreenda. Não sou como o mundo comum, minha loucura me consome demais e vivo em outra dimensão. Preciso de alguém disposto a dar o salto para esse lugar estranho comigo e não tenho tempo para coisas aparentemente sem alma ou com um esforço enorme para parecer não ter uma. Estou confusa ainda.


14 fevereiro 2015

Colando os Pedaços

Conto 15 injeções. Aperto os dentes em cada uma. Sinto o sangue escorrendo em minha pele após algumas. Ao observar, não vejo como sendo minha perna, parece a perna de um manequim mal feito entre lençois de tonalidades verdes diferentes. Estou lúcida, mas viajo. São as cores que reparo primeiro, salas de cirurgia tem cores marcantes, quem está deitado na mesa cirúrgica pode apreciá-las melhor. Vermelho, verde, azul, verde, verde, verde, branco, branco, branco. O relógio, números em vermelho, tic tac ausente aos meus ouvidos.

A lâmina desliza sob minha pele pálida e já marcada. Espero por uma dor que não vem. Deveria, porque eu mereço. O sangue deixa de escorrer após cauterização. Sinto os movimentos. E estranhamente sinto uma forma de carinho ao segurarem minha perna. Aprecio a pressão da enfermeira sobre elas, me dão uma segurança fingida, uma importância alterada. Sinto não merecer isso, e não aviso que estou sentindo quando os pontos estão sendo feitos. Pouco. Mas sinto. 

Segunda incisão, observo as mãos enrugadas do cirurgião que nem ao menos tremem. Mas eu tremo. Sinto frio. Eu sempre sinto frio. "Essa está profunda, vou fazer uma incisão maior" escuto entre cochichos com a enfermeira. Não querem que eu escute, porque meus olhos permanecem abertos quando deveriam estar fechados, porque permaneço lúcida quando o comprimido que me deram deveria ter me feito dormir.

Desisto de observar a perna de manequim ser refeita. Deito minha cabeça e observo o relógio, até que os ponteiros marquem mais de uma hora e quinze minutos de cirurgia, e sinto fazerem os curativos. Me levanto sem que me digam. Esqueço minha nudez, já viram oque acho mais íntimo em mim, minhas cicatrizes, minha nudez não importa mais. Saio andando normalmente, não porque não sinto nada, mas porque eu tenho que não sentir nada

"Você quem fez isso, deveria ficar feliz com a reconstrução" "Você não deveria ter feito, não merecia fazer a cirurgia reparativa" "Você não queria a dor?" "Você merece o pior". Escuto. Algumas são frases ditas na minha cabeça, outras são escutadas pelos meus ouvidos. Dessa vez as lâminas não eram para ferir, eram para reparar. Não eram para me fazer me sentir viva, eram pra me lembrar quão doente sou.

Estou colando os pedaços. Partes íntimas de mim que ninguém deveria ver. E não irão mais.

12 fevereiro 2015

Mas acontece que algumas pessoas não podem ser consertadas

Venço uma etapa pra despencar poucos segundos depois. Sinto que sempre estou chegando perto da beira da praia, e no ultimo instante, tudo desaparece e fico sozinha no oceano. Sozinha. E na minha procura enlouquecida pelo próximo cais eu me apego em pessoas pelo caminho, faço delas a minha boia, sugo delas tudo que eu posso porque eu não sei viver sem me ver refletida nos olhos dos outros. E não é qualquer reflexo, eu quero a aprovação contínua. Quero que me amem e necessitem de mim como eu necessito de cada pedacinho de qualquer pessoa. Achei que não era assim( diga-se de passagem, com transtorno de personalidade), que não era sugadora. Mas sou. Vocês estavam certos, precisei sair do meu casulo pra perceber isso. Precisei ir pro mundo real pra me ver realmente. E doeu. E dói. Eu observo cada um de vocês, visto suas máscaras, e faço o que vocês fazem. Mas sou como uma coadjuvante observadora, e apenas isso.

Eu minto. Você odeia mentiras e aprecia a sinceridade. Mas eu minto a cada momento em que estou viva. Minto aquele sorriso quando você acorda do meu lado. Minto que acho engraçado suas piadas. Minto que não penso em cada instante que tem do meu dia em você simplesmente porque você me falou que viria. Minto quando falo que acordei faz pouco tempo, quando na verdade tomei um coquetel de remédios pra tentar ser normal, tomei vários banhos e tentei parecer o menos repugnante possível pra você me suportar. Minto quando digo que são ferimentos de alergia, de gilete, sem querer. Minto quando digo pra você que quero o controle, que prefiro ficar por cima, que não gosto quando você me marca. Eu quero ser marcada, quero que você vá o mais rápido que puder, que não se importe que me doa, porque eu quero a dor, eu preciso dela. Minto quando digo que não quero nada sério, que é só sexo. Eu quero algo sério. Mas nunca poderemos, porque não sou convencional, porque as vezes eu quero que você me coma 10 vezes, e outras eu quero te chutar pra fora do quarto antes da primeira chupada. Porque eu suporto normalmente que você olhe outras gurias, aprecie elas como eu aprecio, mas detesto que esqueça de me responder uma mensagem. E não podemos ficar juntos porque eu te amo, mas te amo agora e só, entende? Te amo agora porque você me deu atenção, mas não vou te amar amanhã porque você não conseguiria manter essa atenção por tanto tempo.

Não podemos ficar juntos porque eu minto descaradamente pra viver. E você é sincero desesperadamente pra sobreviver. E dois opostos não se amam, se anulam. Eu quero você, mas terei sugado tudo que você pode me dar em poucos dias. E logo ficará óbvio demais. E já é claro o suficiente que te escolhi porque você pode oferecer a dor que preciso, a de ser ignorada, de ser anulada. Percebi seu problema, oposto ao meu, antes que você me percebesse, e te escolhi, e você fugirá como os outros. Ninguém suporta minhas verdades.

Sozinha.

07 janeiro 2015

Sobre Mudanças

Faz tempo que não publico nada aqui, na verdade é porque quis esquecer essa pessoa que escrevia esses textos, quis retirar boa parte dessa realidade que tive comigo por tantos anos e tentei me dedicar a ser diferente, a viver coisas novas ou apenas viver de novo.
Então qual o motivo que me fez voltar a escrever? Percebi que nunca irei me desligar dessa estranha tão conhecida que passou por tudo que escreveu aqui, e que mesmo estando diferente eu ainda sinto boa parte do que sempre senti. Mudei sim, tudo ao meu redor mudou, e tenho que fingir constantemente ser alguém que não sou porque no mundo real pessoas como eu não são aceitas. E eu finjo. Nem sempre sou bem sucedida, mas estou sobrevivendo no mundo caótico e comum de todos. Meus monstros continuam comigo, e eu sei que continuo lutando coisas que ninguém que está aqui perto compreende. Desabafar com conhecidos não é uma escolha, porque já a fiz e não deu certo. Escolho então prosseguir e decido ser quem eu realmente sou apenas com quem me der muita confiança ou abrir a minha loucura o suficiente para conseguir tal façanha.

27 março 2014

Tempestades

Meu cérebro chove. Sinto cada palavra rebater na minha pele como uma tempestade de ameças já ditas. Eu vejo você mas você não me vê, sou outra pessoa para você agora, alguém que merece escutar o que tem para dizer. Sinto que quer mais que vingança e que minhas palavras chegarão deturpadas aos seus ouvidos. Então me calo e choro. Minhas lágrimas nunca tiveram timidez ao seu lado, mesmo com as ameaças constantes, isso só as fazem mais fortes. Parar de respirar não seria uma má ideia agora, penso, enquanto palavras retumbam ao fundo. Meu ar se torna rarefeito porque você sempre teve esse poder sobre mim, e sobre o universo inteiro ao meu redor. Não entendo o que você me diz, qual realidade estamos falando? Repito um mantra que nunca deu certo "vá embora, não encoste em mim, vá embora, me deixe em paz", enquanto meu cérebro se liquefaz e meu corpo arde.

"A dramática é você" e "Você está inventando muita coisa" escuto você dizer. Suas palavras ecoam dentro de mim  "mentirosa, mentirosa, mentirosa, mentirosa" confirmando que sou oca como sempre suspeitei. Queria que você tivesse matado nossa família como suas ameaças prometiam. Não queria ter esse pensamento agora. Você abaixa os braços acusativos por alguns instantes e seus olhos relaxam, sua expressão parece confusa e depois de alguns segundos escuto você dizer "Me abraça filha?", agora voltei a ser a sua amada filha, mas não quero seu abraço, quero uma paz que você nunca irá me conceder.

Você sai do meu quarto finalmente, e o silêncio que vem em seguida é um dos poemas mais lindos já feitos. Eu fugi naquele dia, você também, da sua maneira. Eu tentei conversar contigo mas você já fez a sua verdade e extinguiu a minha. Escrevi dois textos gigantes sobre o que eu sempre senti e você não passou da segunda frase.

Tenho pensando em escrever cartas de despedidas porque estou evaporando em cada palavra não dita, e minha realidade parece diferente demais da realidade comum a todos para que agora, de uma hora para outra, eu volte a vida normal. Meu sorriso é de mentira. Meus sonhos são uma ilusão, mas os alimento diariamente para que eu não morra de fome.

15 dezembro 2013

Concerto, Conserto e Demônios

O que ando fazendo? Conserto. Concerto. Uma sinfonia enquanto tento restaurar meus pedaços. Meu pequeno show para platéia alguma, embora as vezes eu possa jurar ouvir os aplausos. Costuro e me refaço, me desfazendo mais de vez em quando. 
Sei que sou um quebra cabeças com peças que faltam, que jamais encontrarei, mas preciso me acabar, me inventar, reinventar. Estou tentando as pazes comigo, com meu corpo, minhas ideias. Passei tanta tempo perto do precipício e flertando com a queda que minhas asas adormeceram, mas hoje sei que as possuo. A visão do despenhadeiro ainda brilha no fundo dos meus olhos, mas consigo olhar as nuvens agora, e além. Contemplei a ideia de um mergulho vívido que esqueci da ideia de voar. Então agora conserto essa ideia com linhas de algodão e passos lentos. O Demônio da Perversidade de Edgar Allan Poe é real, e ainda me tenta, mas ao contrário do que sempre fiz, não o contemplo extasiada, mas o convido para o meu concerto, minha dança e o esculpo em minhas asas adormecidas enquanto o tempo passa. 
Ainda sou uma criança impertinente e assustada. Mas que um dia irá voar além da metáfora.

17 novembro 2013

Somos Feitos de Sentimentos

Minha prosa está cessando dentro de mim. As dores que me fazem companhia permanecem, mas não servem de inspiração, calaram-se. Refugiaram-se. As expectativas de um futuro diferente são fracas demais para virar texto, ainda tenho que cultivá-las todo dia, e sinto-as quase que inexistentes, mas estão ali, talvez o tédio de permanecer no mesmo tenha ajudado a adubá-las. Consegui ter alguns momentos felizes e livres, que há muito não tinha, mas era perceptível o quão efêmero tais momentos eram, e como eu me agarrava a eles até sumirem por completo. Já dizia Nietzsche que é assim que se percebe um ser humano de profunda tristeza, porque se denunciam quando estão felizes, e às agarram e esmagam, por ciúme ou saudade antes do tempo, pois sabem muito bem como ela escapa. Virei um clichê dos séculos passados com um discurso bonito e futurista.